Agoniza o Palácio Arquiepiscopal da Bahia

Consuelo Pondé de Sena
22/04/2014 às 08:52
Junto minhas palavras às demais que se têm manifestado contra o abandono a que a Cúria Metropolitana e o IPHAN estão, vergonhosamente, relegando à sede monumental do Palácio do Arcebispado, situado na Praça da Sé.

   É inadmissível que, criminosamente, se silencie sobre a degradação do grande edifício que, durante muitos anos, foi sede do Arcebispado da Bahia. Edificado no início do século XVIII constitui-se num dos mais valiosos exemplares da arquitetura civil do período colonial de todo o Brasil. A história do edifício tem início em 1705, quando uma carta régia autorizou a construção de uma residência para os Arcebispos, que deveria situar-se no terreno reservado ao Seminário, ou seja, onde se encontra atualmente a Igreja de São Pedro dos Clérigos.

   A construção foi orçada em 30.000 contos e contou com o auxílio do Tesouro Público. Foi D. Sebastião Monteiro da Vide que convocou o primeiro Sínodo Diocesano no Brasil para promulgação das Constituições Primeiras do nosso Arcebispo. 

  Era ele, além de religioso, um homem de letras, tendo marcado tanto a sua presença em nosso meio que exerceu as funções de sexto governador do Brasil, de 14 de outubro de 1719, a 23 de novembro de 1720. O palácio, de arquitetura simples e severa, tem fachada principal com três pavimentos e uma entrada marcada por um monumental portal em pedra de Lioz e decorado com um brasão ladeado por volutas. 

  O brasão é o de D. Sebastião Monteiro da Vide, arcebispo de Salvador (1701-1722) à época da construção do edifício. Elevado ao cargo de Arcebispo da Bahia, a 8 de maio de 1701, D. Sebastião sagrou-se no dia de São Tomé do mesmo ano. 

   Chegou a Salvador em 22 de maio de 1702, tomando posse imediatamente. Governava a Bahia àquela época D.João de Lencastre. Não havendo uma casa destinada que a nobreza do cargo requeria, D. Sebastião tratou de providenciar a construção do Palácio da Mitra, primeira sede do governo primaz da Igreja Católica.

   As janelas dos dois primeiros pisos são de peitoril e o mais alto, o pavimento nobre, tem janelas guarnecidas de balcões e gradis de ferro. O interior do edifício está organizado em torno de um pátio central, o que lhe concede benéfica circulação de ar. O palácio foi tombado pelo IPHAN em 1938. Ao que se tem conhecimento, está como múltiplas obras tombadas pelo Órgão do Patrimônio Nacional, estão caindo aos pedaços. Falta de dinheiro ou de vontade política? 

Que saudades de Godofredo Filho, poeta feirense apaixonado pela Cidade do Salvador, atento professor de História da Arte que, além das aulas teóricas, acompanhava os alunos da Faculdade de Filosofia nas visitações a essas relíquias. O ilustre mestre era um homem dotado de muita sensibilidade e incomum refinamento estético. 

Após essa rápida digressão, cumpre indagar: que razões têm “movido” os Arcebispos da Bahia a desocupar esse imóvel? Por que o Palácio residencial do Campo Grande foi negociado para ceder espaço a uma medonha, mas valorizadíssima, construção coletiva residencial? 

Aquele “lócus” sagrado, onde tantas cerimônias religiosas se realizaram, que hospedou o Papa João Paulo VI, em suas vistas a Salvador, passou a ser a morada privilegiada dos endinheirados desta terra.
Que povo é este que não defende a sua Cidade? Que gente é essa, desfibrada e inerte, que permite “negociações” nada transparentes dos bens culturais de Salvador, ainda que façam parte do patrimônio da Igreja? 

Trabalhei muito tempo em pesquisa no Arquivo da Cúria, ali alojado, mas lá voltando, pouco tempo depois, dei falta de livros que havia consultado. Fiz campanha pela imprensa, contando com o apoio da ABI, àquela altura presidida por Affonso Maciel Neto, em favor da preciosa coleção documental. Reunião a que compareceu, com sua autoridade e simpatia, o inesquecível Cardeal Brandão Vilela, Arcebispo Primaz do Brasil.

Depois de desocupado, o Palácio da Arquidiocese parece que deixou de interessar à Igreja Católica. Todavia, os soteropolitanos devem exigir uma ocupação digna, talvez, quem sabe, ser alugada pelo Banco do Brasil para sediar seu Centro Cultural. Ao menos não se transformará em escombros, como parece que vai acontecer caso continue arruinado do jeito que vai.