Joaquim Barbosa na terra de Ogum

Fernando Conceição
13/04/2014 às 23:49
O presidente de um dos três poderes da República, Joaquim Barbosa, trajava-se como uma pessoa qualquer. De sandália emborrachada, camisa pólo usada de manga curta e calça comum, chapeuzinho maleável de palhinha sintética na cabeça, por volta das 10 horas da manhã de domingo, 13 de abril/14. Tipo tô nem aí…

Seu assessor de imprensa, Wellington Silva, cuidou de conseguir, na última hora, uma sala do hotel Golden Tulip, no Alto do Monte Conselho, praia do Rio Vermelho, Salvador. Para uma conversa reservada com um grupo de 13 intelectuais e ativistas sociais, mulheres e homens do movimento negro não comprometidos com partidos políticos, embora todos politicamente engajados. Não havia representantes da imprensa. Este post, assim, é de responsabilidade total do autor, sem autorização de quem quer que seja.

TUDO FOI ARTICULADO pelo pessoal da “Campanha Reaja ou Será Morta/Reaja ou Será Morto“e do Quilombo X. Hamilton Borges Walê abriu a conversa. Demarcou que o grupo ali estava para declarar sua solidariedade incondicional ao trabalho que Joaquim Barbosa tem realizado no Supremo Tribunal Federal.

Os ataques, “de cunho nitidamente racistas” a ele dirigidos, “seja por parte de setores da direita, seja por parte de setores da esquerda”, atingiriam não somente ao ministro – “mas a todos nós, negros, vítimas diárias do epistemicídio brasileiro” – pontuou Hamilton Borges. Outros presentes reforçaram a tese.

Joaquim Barbosa se disse agradecido pela manifestação de solidariedade. Mas repetiu, como tem feito em outras ocasiões, que já não se importa com aqueles ataques. “Eu já tenho casca grossa e nem tomo conhecimento dessas coisas. Não se pode querer unanimidade em tudo”.

Ao lado de ativistas, Hamilton Borges coordena o encontro abolindo formalismo até ao se dirigir como "você" ao presidente do STF, em vez de Vossa Excelência

BARBOSA RESSALVOU, porém, que em alguns casos toma providências. Como exemplo, a representação judicial que move contra o jornalista Ricardo Noblat, de O Globo. Noblat assinou artigo nesse jornal ano passado, no qual faz ataques pessoais – referindo-se à origem racial do ministro – de gosto tão duvidoso que, no mesmo veículo, a colunista Myriam Leitão rebateu-o.

O ministro disse cogitar ação legal similar em relação ao chamado “Blog da Dilma” – site oficioso de apoio às ações do governo federal. “Mas há um silêncio da imprensa quanto aquela representação contra Noblat”, anuiu, indicando uma espécie de “espírito de corpo” nos meios de comunicação para proteger um dos seus.

O presidente do STF lembrou, ainda, que em recente palestra que fez em Paris, com platéia cheia e entusiasmada, de repente um sujeito, dentre os poucos brasileiros, perguntou-lhe se não se sentia incomodado de receber elogios “da direita”.
“Eu virei para ele e respondi: se você recebe elogios não pode indagar se a pessoa é de direita ou de esquerda”. O sujeito, de acordo com o relato do ministro, ficou furioso. “Deu a impressão que se ele não estivesse naquele ambiente, no estrangeiro, se fosse aqui partiria para a agressão física de tão nervoso que estava”.

O encontro terminou cerca de 40 minutos depois de iniciado, após Barbosa ser presenteado com dois livros – uma coletânea de poemas de autores negros brasileiros e um romance. Algumas sugestões de desdobramento dos assuntos abordados ficaram de ser encaminhadas com a assessoria do STF que era representada, além de Wellington Silva, pelo ministro do Itamaraty Silvio José Albuquerque e Silva, chefe de gabinete da presidência do Supremo.

Na saída, quando da devolução do ticket de estacionamento do hotel, enquanto aguardávamos um manobrista buscar o automóvel, um grupo deles aproveitou para matar a curiosidade. “Vocês são mesmo de onde?” – perguntou aquele que parecia gerenciar o serviço. “Daqui mesmo: viemos nos encontrar com o ministro”.

“E como é o homem que tem presidido o Brasil?” – perguntavam, curiosos, comentando sobre seu papel nesse momento da história do país