JORNALISMO BOÊMIO EM SALVADOR: e o vento levou

Tasso Franco
21/10/2013 às 11:21
 Houve uma época nesta Cidade da Bahia, décadas de 1950/1970 e um pouco dos anos 1980, que se praticou o jornalismo boêmio com bastante intensidade. Jornalista, quando comecei minha jornada no extinto Jornal da Bahia, 1968, era uma personalidade visto com reservas pela sociedade, um bicho grilo estilizado, maldito, inconformado, "revolucionário" de botequim, daí que muita gente torcia o nariz para essa espécime.

   Ainda convivi com os jornalistas boêmios remanescentes da década de 1950, Zé Maria, Raimundo Reis, Moacir Ribeiro, Rafael Pastore, Florisvaldo Matos, Antonio Lins (Chefinho), Cleber Ribeiro, Fred Souza Castro, Isidro Otávio do Amaral Duarte, Valmir Palma (Sêo Porreta), Anízio Félix, Silva Filho, Adroaldo Ribeiro Costa, Silvio Lamenha, Ademar Gomes (professor Bandeira), Fernando Rocha (Bananeira), Jehová de Carvalho, Genésio Ramos, Newton Sobral, Moacir Nery, Vigota, etc; e a turma da minha geração e a subsequente, Bel e Raimundo Machado, Roberto Vicente, Pedro Formigli, José Carlos Teixeira, Vitor Hugo Soares, Paulo Tavares, Paolo Marconi, Fernando Vita Souza, Bisa Junqueira Aires, Vavá Gomes, Chico Ribeiro Neto, Cleomar Brandi, Rosane Santana, Heraldo Matos, Gilka Bandeira, Silvio Menfes, Osvaldo Jr, Rui Espinheira Filho, Rêmulo Pastore, Lúcia Cerqueira, Mariluce Moura, Fred Simões, Carlos Navarro, Marcelinho Simões, Césio Oliveira, Pancho Gomes, Sostenes Gentil, Regina Coeli, Bosco, Wellinton Rangel, Antonio Matos, Rino Marconi, Carlos Santana e tantos outros que aliavam o jornalismo a boemia.

   Nas décadas entre 1950/1970, os jornais e emissoras de rádios se situavam no quadrilátero que ia da Rua Carlos Gomes (Diário de Noticias e Rádio Sociedade da Bahia) a Praça da Sé (Rádio Excelsior), e os caminhos que seguiam via Praça Castro Alves (A Tarde), Rua Chile (sucursais dos jornais do Sul, JB, Estadão) e o Largo da Barroquinha (Jornal da Bahia) e a Ladeira da Praça (Rádio Cruzeiro) e ponto de encontro no Restaurante Rui de dona Maria. Só quem ficava fora desse circuito era a sucursal de O Globo, situada no Comércio, da Cidade Baixa.

   Quem quebrou essa hegemonia foram as emissoras de TV em meados dos anos 1960 que se instalaram no bairro da Federação devido a altitude e a Tribuna da Bahia, 1969, que se instalou na Djalma Dutra, Sete Portas. Ainda assim, os pontos de encontros dos jornalistas se situavam no centro de Salvador, no Tabaris Nigth Club, atrás do cine Guarani; no Restaurante Cacique, ao lado do Guarani; Tabuleiro da Baiana, Porto Moreira, Feijoada do Biu e Anjo Azul na Carlos Gomes e Mocambinho; Caminhão do Zé, na Praça Castro Alves; Bar de Cabelinho, Barroquinha; no Varandá, Pau da Bandeira; e nas casas da noite, Melancia, Jaime, 63, Cinara, etc,  e nos restaurantes do Pálace Hotel e do Hotel Chile, entre outras.

   Depois, já nos anos 1970, no Quintal (Bar de Franco), Gereré (Amaralina), Lanches Bahia (Carlos Gomes), MiniCacique (Ajuda) e quebradas mais distantes que foram surgindo na cidade como o Bar de Semirames, levados por Conhago; Restaurante Alagoano e abaixadinhos da Sete Portas e Djalma Dutra; Cú quer Lenha (nas quebradas da Casa do Comércio) e assim por diante.

   Chico Ribeiro Neto e Silva Filho eram os "reis" dos abaixadinhos, os "descobridores" desses pontos.

   Mas, o que era isso de "Jornalismo Boêmio"? Era um jornalismo em que se aliava o meio jornalístico com a vida mundana da cidade em épocas que se podia andar com tranqulidade pelas ruas do centro e adjacências nas madrugadas, onde se parava o veículo na Ladeira da Montanha para uma farra com as meninas de Maria da Vovó e, quando se retornava dia raiando ou no chamado "cu da madruga", o carro estava lá, intacto, sem levarem o som ou o próprio veículo; quando se podia fazer uma seresta nas dunas de Abaeté, subir o areal, vê a lua por toda noite e retornar em paz para casa; quando se podia acompanhar um dueto entre Tunição e Ruy Espinheira no Quintal e tomar todas ouvindo seresta; ou quando varava-as as madrugadas ouvindo João da Matança, ao violão, e Sandoval, no bandolim.

   Houve casos em que "coleguinhas" após "lavar a alma" se esqueciam onde tinha deixado o carro para retornar à casa.

   Até a década de 1970, os jovens de minha geração e anteriores, se relaxavam com as "meninas" dos nigths clubes. Só a partir da liberação sexual dos anos 70 em diante é que o sexo passou a ser compartilhado de forma mais intensa nos meios universitários e nas familias e essas casas começaram a entrar em decadência. Outro fator que levaram a essas mudanças na sociedade foram o crescimento da cidade, o aumento asustador da violência e as alterações nos hábitos. Hoje, soa até como retrô ou mofento, uma seresta ao luar ou num botequim, salvo os shows progrmados por Diógenes e outros.

   A sociedade era extramamente machista, ninguém falava em LGBT, só havia uma lésbica famosa na cidade que atuava organizando concurso de Miss; o gay mais famoso era Floripes; e os temas da atualidade como homofobia, AIDS, meio ambiente, direitos da mulher, direitos humanos, eram pouquissimos abordados.

  O "jornalismo boêmio" tinha seus códigos e normais (não escritas) envolvendo pelo menos 7 pontos capitais: saber fumar, saber beber, gostar de mulher (ou de homem), cantar ou apreciar música, deliciar-se com a boa mesa, cultuar a noite e deixar a vida lhe levar com intermináveis papos, invarivelmente, sobre jornalismo. Ninguém dessa confraria se preocupava com o futuro, com o fígado, com as artérias, com os horários extra-trabalho, com comidas ligths, com as contas nos botequins, quase sempre modestas. 
Lembro de intermináveis tertúlias litero-alcoólicas-poéticas com Bel Machado, Aurélio Velame, Humberto Velame e Cidélia Argolo no bar do Lisboa, na Boca do Rio, que pareciam nunca ter fim com intermináveis saideiras; de reuniões litero-musicais na Cantina da Lua com Pastore, Lucinha, Carlos Navarro, Ruy Espinheira e outros para tratar do "futuro" do centro histórico de Salvador; das jornadas lítero-gastronomicas no Mercado da Sete Portas com Paulo Tavares, Césio Oliveira, Otto Freitas, Dominguinhos e outros nas madrugadas de sexta para sábado; dos encontros litero-carnavalescos no Clube de Engenharia com Vitor Hugo Soares, Newton Sobral e Anizio Félix quando cántavamos cirandas em roda e Sobral me chava de "Tachito" lá pelo 4º uisque; dos encontros líteros-carnavalescos nos bailes de atrizes no Vila Velha com Regina Coeli, Geraldo Vilalva, Jacques de Beauvoir; e dos encontros líteros-gastronômicos na casa de Rino Marconi e Mariluce Moura no 2 de Julho.

   É difícil estabelecer uma data quando o jornalismo boêmio da capital baiana se findou. Existem casos e casos. O certo é que, a partir da década de 1990, ele foi se exaurindo e chegou ao século XXI "morto" e sepultado.
 
   Ficam as lembranças e as histórias.