SERRINHA: Um dos homens mais velhos da cidade vai completar 100 anos

Tasso Franco
08/10/2013 às 09:15
Um dos homens mais velhos de Serrinha, João de Souza Santos, vai completar 100 anos em fevereiro de 2014 e tem uma vida tranquila, sem sobressaltos, morando numa casa confortável, um local estilo vivenda portuguesa ao lado dos seus familiares.

   Durante muitas anos (nas décadas de 1960/1970) frequentei o Bar de Souza na esquina da Rua do Clube (ACS), independente de ser o local onde nos dias de festas esquentávamos as "turbinas", faziamos nossas cabeças para enfrentar os bailes de formaturas, reinados carnavalescos, festas de épocas, concursos de Miss e assim por diante.

   Gerações de serrinhenses fizeram isso. Passar no Bar de Souza ante de entrar no clube era quase uma obrigação isso porque a bebida era mais barata, vendia "quentes" incluindo folhas em infusão na pinga, daí que a gente já chegava nas festas com os "pneus" calibrados.

   Mas, não era só isso. Frequentei Souza no normal com Cândido de Juca, Ferreirinha, Deilson, Negão, Franklin, Picota, Gatão, Macedo, Zeferino, etc, os jovens classe média de minha geração e com a turma local, do bairro do Matadouro e das rua adjacente que descia ao clube em direção a linha do trem - Jujuba, Deilson, Pedrito, Vando, Carlinhos, Diú, etc, - e que dava plantão em Souza para jogar dominó, sinuca e fazer seresta.

  Numa dessas noites ficamos a ouvir Deilson tocar "Acorda Gigante" e outras músicas quase a madruga inteira. Deilson era um inveterado boêmio à moda antiga, de sentimentos intransponíveis. Ninguém conversava com ele sobre amores, problemas, tristeza, aquele ar sombrio que tinha na mesa do bar, extremamente interior e pensativo, e apenas falávamos de amenidades e de música. Pedidos de canções que executava ao violão, ou por nossa sugestão; ou por vontade própria.

   Nada era imposto. Tratar com um boêmio não é coisa fáceil. É preciso ter paciência, entender a pessoa, deixá-la agir com seus sentimentos. Muitas vezes ficam uma hora sem tocar, pensativo. E ninguém dizia nada porque ao boêmio, o apaixonado eterno, tudo é permitido.

   O Bar de Souza tinha uma relação direta com o Clube, como chamávamos a ACS, embora fosse independente. O clube nasceu nos anos 1950 numa Serrinha provinciana, cidade pequena, cujas famílias da classe média se organizaram para ter um local onde pudessem levar seus filhos e filhas para uma paquera, para ampliar as relações sociais, e também servia como local para a prática de esportes e de atividades culturais.

   Eu mesmo lancei meu primeiro livro sobre Serrinha, em 1972, no Salão do Clube. Saí tomando emprestado fotos, roupas, candelabros, objetos variados como quadros e postais, e montamos uma exposição que tomou todo o salão de baile. Fiquei tão preocupado que alguém pudesse levar uma dessas peças, que Pedrinho montou guarda a noite toda armado com uma garruncha, para garantir o evento que aconteceria no dia seguinte e teve a presença até do secretário da Educação do Estado, Rômulo Galvão.
 Nós, jovens, dos anos 1960/70, tínhamos no Bar de Souza uma espécie de pré-encontro programado para todas as festas. Aos poucos iam aparecendo os amigos e a gente ficava esperando a banda tocar para deixar o bar. Sempre alguém colocava o olho em direção a portaria do clube para ver como estava a fila e quando a banda dava os primeiros acordes alguém dizia: - Começou a festa.

   Souza era supersimpático com todos, gostava de falar "vai meu filho", "arre menino danado" e ainda, eventualmente, aceitava uma pendura. 

   Recentemente, estive em sua casa para uma conversa com o velho amigo, mas, embora esteja lúcido, tomando banho sozinho, varrendo o terreiro, tomando suas refeições sem a ajuda de familiares, não tem mais memória para reconhecer as pessoas, salvo seus filhos, os quais, conhece quem é até pela voz no telefone.

   Até os 97 anos de idade atuou no balcão do bar. A partir daí, com a memória fraquejando, fechou o estabelecimento e, recentemente, colocou uma faixa com "vende-se". Vai completar 100 em abril de 2014 e é um dos homens mais velhos de Serrinha, pelo menos dos que eu conheço. 

   Sabe muitos causos e histórias da Serra e vai levar consigo para sempre.