LEMBRANÇAS do maestro Reginaldo de Xangô e da velha Bahia boémia

Tasso Franco
12/06/2013 às 09:07
A morte do maestro Reginaldo de Xangô fez com que viesse à luz de minha memória momentos desta cidade de Salvador da Bahia quando Sandoval do Bandolim era o "rei da noite", João da Matança tocava violão no Varandá, Galo Cego executava maracas no Tabaris e maestro Vivaldo Conceição sax-alto no Circo Troca de Segredos, em Ondina, final dos anos 1960 e década de 1970, quando se podia frequentar a noite desta cidade da Bahia, sem sobressaltos, sem os perigos de ser assaltado e não encontrar o veículo onde deixara.

   É desse tempo que conheci o maestro Reginaldo tocando trombone, no Baile da Guarda Municipal da Baixa dos Sapateiros, no Troca de Segredos e em eventos de rua. Nunca cheguei a ser seu amigo, de frequentar sua casa ou ter confidências. Mas era meu conhecido de longos anos e tivemos até uma aproximação maior quando fui secretário de Comunicação da Prefeitura, anos 1997/2004, nas tocatas que fazia em eventos da Prefeitura e visitas que me proporcionava no nosso gabinete com vista para o Elevador Lacerda, no prédio erguido na gestão MK, idealizado por Lelé Filgueiras.

   Certa ocasião, numa dessas visitas, eu com inveja das camisas fashion que o maestro usava lhe disse: - Ainda vou ter uma camisa dessas. 

   E ele me disse: - Quem faz para mim é uma amiga costureira, com exclusividade. Mas, vou mandar fazer uma pra você. Deixa comigo. Já anotei na cabeça seu tamanho M a G, confidenciou me cubando. 

   - Deixa de bobagem, falei para o maestro: esse tipo de roupa só cai bem em você. 

   - Nada, cabe em qualquer um.

   Lá um dia ele retornou ao Tomé de Souza e me entregou um pacote com uma camisa branca, cheia de detalhes e frufrus. Agradeci e lhe disse: - Vou usar na Lavagem do Bonfim. E assim o fiz e usei no cortejo, encontrando-me com o maestro que comandava a sua banda. Ainda hoje, passados mais de 12 anos deste episódio, tenho esta camisa que uso em momentos especiais - 2 de Julho, Lavagem do Bonfim e Reveillon.

   Atravessar entre a Basílica da Conceição da Praia e a Basílica do Senhor do Bonfim, algo em torno de 9km, na levada da orquestra do maestro Reginaldo era algo imperdível e para quem tinha fôlego. Ainda bem que ele dosava o ritmo quando via que a galera estava exausta e puxava um samba. A orquestra parava, ele, imponente, à frente, dava os primeiros acordes do samba no trombone e a levada seguia em frente, em passo lento. Era um exercício e tanto, com a vantagem de ouvir a boa música e beber uma cervejota gelada.

   Muitos dos amigos que conosco participaram dessas e de outras levadas da noite baiana já se foram, como os irmãos Pastore (Rafael e Rêmulo), Gilberto Boca de Lata, os jornalistas Anízio Félix, Bonfim, Lúcia Cerqueira, Sêo Porreta e Silva Filho; os radialistas Osvaldo Júnior (Cebola) e Cleomar Brandi; e os carnavalescos Moacir Neri e Arquimedes Silva, entre outros. 

   Saudades dessa turma toda e do tempo em que ainda se praticava a boemia nesta cidade da Bahia, frequentava-se o Gereré de Amaralina e terminava-se numa noite de luar nas dunas de Abaeté tocando violão e namorando. Ou se fosse o caso, frequentava-se o quadrilátero da noite baiana entre o Varandá no Pau da Bandeira, o 63 na Montanha, o Taboleiro do Baiana na Carlos Gomes e o Tabaris na Praça Castro Alves, fundos do Cinema Guarani, e a reservada Casa de Cinara.
Tudo isso na maior descontração andando-se pelas ruas do centro e saindo-se dessas casas noturnas tendo a certeza de que seu carro estava intacto e no lugar que havia deixado. Tinha momentos em que a gente é que esquecia, diante de tantos gorós, o local que havia deixado o veículo. E, houve casos, de esquecimento tal, só buscando o auto no dia seguinte ou no clarear do dia depois de dormir em algum berço esplêndido no Melancia ou algum outro lar da noite.

   Neste 2013 estive com o maestro Reginaldo em duas oportunidades. Na lavagem do Bonfim, trabalhando para o BJÁ fui na levada entre a Praça da Asssociação Comercial até a Deodoro, na boca do Mercado do Ouro, onde fiz algumas fotos da filha do maestro ao seu lado, tocando trombone, certamente a sua substituta nessa missão. E a outra, no Circuito Sérgio Bezerra, na quarta de Carnaval da Bahia, 1 km de levada entre o Farol e o Baravento, quando nos cumprimentamos (vide foto acima) e elogiei mais uma vez sua indumentária.

    É isso, a cidade vai se mexendo, modificando os seus costumes, sepultando alguns dos seus filhos e amigos da velha guarda boêmia e a gente registra esses casos da memória baiana, de maestros fantásticos, Smetak, Carlinhos Veiga, Carlos Lacerda, Vivaldo e Reginaldo.