ELEIÇÕES MUNICIPAIS, VOTO DIGITAL E FRAUDE NO BRASIL

Rosane Santana
27/08/2012 às 09:00

Foto: DIV
Desde a implantação deste novo sistema as denúncias de fraudes desapareceram
   Mais de 500 mil urnas eletrônicas serão utilizadas nas eleições municipais brasileiras deste ano. Desse total, 35 mil de última geração, enquanto as demais são modelos utilizados desde 2004. Uma parte dos equipamentos trará a possibilidade de identificação do eleitor pelas impressões digitais, o que segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) torna o sistema ainda mais seguro.

   Ao contrário do que diz a Justiça Eleitoral, que realizou testes controlados para verificação da segurança da urna - nos quais os "invasores" não têm acesso a todos os softwares do sistema -, pesquisadores de duas grandes universidades brasileiras, a Universidade de Campinas (Unicamp) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), após análises, em 2002, admitiram brechas no sistema e sugeriram medidas de aperfeiçoamento, muitas das quais não foram implantados até hoje, como a impressão do voto.  

   As urnas brasileiras não atendem aos padrões internacionais do sistema de gestão de segurança da informação. Em 2008, especialistas em tecnologia afirmaram categoricamente que a urna eletrônica não é segura, durante audiência pública na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados. Países como Estados Unidos, Holanda, Alemanha e até os vizinhos Paraguai e Argentina rejeitaram a utilização de urnas eletrônicas de modelo similar ao brasileiro, alegando falta de segurança.
 
   É forçoso reconhecer que, desde a implantação do sistema do voto eletrônico no Brasil, as denúncias de fraude praticamente desapareceram. Mas, seria precipitado, no mínimo, admitir que, num país onde existe uma mentalidade secular de resistência às regras constitucionais do jogo democrático, a criação do voto eletrônico fosse suficiente para varrer, de uma hora para outra, a fraude do processo eleitoral, exatamente no instante em que ocorre o sufrágio, depois de uma luta de vale tudo em que milhões são investidos pelos candidatos.

   A explicação pode estar no fato, admitido por cérebros em tecnologia da informação de várias partes do mundo, de que as urnas eletrônicas em geral são altamente vulneráveis a fraudes de difícil detecção. Não obstante os riscos, o sistema eletrônico de votação no Brasil parece definitivo, até que um acontecimento de grandes proporções indique o contrário. Por enquanto, as regras têm sido aceitas, sem qualquer questionamento, por partidos, candidatos e eleitores - nos dois últimos casos, frise-se, uma maioria de analfabetos ou alfabetizados funcionais e pessoas de baixa escolaridade.

   O sistema eleitoral brasileiro, tradicionalmente, sempre foi marcado por violência, fraude e abuso de poder econômico. No Império, os requisitos estabelecidos pela Constituição de 1824, para que o cidadão pudesse votar nas eleições primárias, não eram examinados por nenhuma autoridade no momento da votação. 

    "A vozeria, o alarido, o tumulto, quando não murros e cacetadas, decidiam o direito de voto dos cidadãos que compareciam", num cenário em que "voavam imagens e candelabros", dentro da Igreja matriz, local onde se realizavam as eleições. (BELISÁRIO, Francisco. O sistema eleitoral do Império).

   Alguns personagens assumiam papel estratégico, fraudando o resultado do pleito. Os cabalistas, por exemplo, incluíam e excluíam nomes de pessoas das listas de qualificação de eleitores, a serviço dos mandões. Em freguesias de mil ou mais votantes, novas nomes eram incluídos às centenas, de modo que a alteração da lista dos qualificados excedia às vezes a mais da metade do número total dos votantes. O fósforo foi outro personagem importante no processo.
 
   Eles votavam em lugar de eleitores qualificados que, por algum motivo, inclusive morte, não podiam votar. "Os cabalistas sabem que F. qualificado morreu, mudou de freguesia, está enfermo. Em suma, não vai votar: o fósforo se apresenta. É mui vulgar que, não acudindo à chamada um cidadão qualificado, não menos de dois fósforos se apresentem para substituí-lo, cada qual cabe melhores provas de sua identidade, cada qual tem maior partido e vozeria para sustentá-lo em sua pretensão", mais uma vez Belisário.
 
   Quando as eleições primárias não eram disputadas e as igrejas ficavam desertas, percorria-se "os arredores da matriz" e, de última hora, convocavam-se pessoas para votar pelos eleitores ausentes ou colocavam-se na urna cédulas preenchidas pelos integrantes da mesa eleitoral, lavrando-se uma ata para dar aparência de legalidade ao processo. Eram as eleições a "bico de pena".
 
   Muitas dessas fraudes foram aperfeiçoadas e continuadas, ao longo de quase dois séculos após a Independência. O preenchimento de cédulas de eleitores ausentes pelos mesários, o cadastramento eleitoral de mortos, a substituição integral de urnas, bem como a migração de votos de candidatos já eleitos para outros, cuja eleição estava ameaçada, estavam entre as práticas denunciadas até passado recente, que teriam desaparecido com o sistema de votação eletrônica, a partir de 1996.